ISSN 2359-5191

12/07/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 55 - Saúde - Escola de Comunicações e Artes
Humanização põe em xeque papel do médico

Uma das dificuldades advindas do progresso dos processos médicos foram as relações entre médicos e pacientes que se tornaram mecanizadas ao longo do tempo. A humanização da medicina deve ser um dos princípios norteadores da saúde pública e que possibilite o diálogo entre as duas partes envolvidas. Esse é o tema do trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da aluna Camila Camilo, da Escola de Comunicações e Artes. Para analisar os procedimentos e o andamento da humanização médica, Camila fez um livro-reportagem intitulado Tempos de Gente – Humanização da medicina e a crise dos paradigmas da Ciência. Na obra, ela trata de temas como a necessidade, por parte do paciente, de ser ouvido e orientado sobre seus problemas. “O paciente se abre, se expõe para essa pessoa [o médico] e espera que ela cuide dele”, conta Camila.

A aluna reforça a importância da figura do médico como referência do saber para as pessoas. O médico é quem vai ajudar o paciente a lidar com seus problemas. Para isso, é preciso que profissionais sejam capacitados para estabelecer adequadamente diálogo com quem os procura. A fim de realizar a montagem do livro, Camila acompanhou o grupo de um projeto da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM USP), o Extensão Médica Acadêmica (EMA). Nele, os alunos realizam atendimento médico a comunidades carentes.

O professor Eduardo Massad, da FM USP, fez parte da banca de defesa do trabalho. Formado em Física e em Medicina pela Universidade de São Paulo, o docente expõe a preocupação com a crescente “medicalização” da vida, que leva as pessoas a procurarem um médico para qualquer aparente problema. “Hoje não existe mais a figura do médico no qual confia, como o médico da família. Você procura o especialista. A maior evidência dessa obssessão pela medicalização é no campo da psiquiatria: não se pode ficar triste, que é depressão”, afirma. Para ele, essa é uma das razões pela qual os médicos não dão o devido tratamento ao paciente. Apesar disso, ele também ressalta a incerteza da medicina: “até hoje ninguém consegue definir o que é doença e o que é saúde. Os termos médicos são ou incertos, ou vagos, ou ambíguos, ou os três ao mesmo tempo. 70% dos estudos médicos realizados não são reprodutíveis”.

Viabilizar a humanização

Seguindo essa linha de pensamento, o professor formula duas hipóteses que poderiam solucionar o problema. Em uma (a mais radical), ele propõe que o formando em medicina seja um profissional capacitado para tratar apenas dos casos mais graves que, segundo ele, englobam apenas 5% das procuras ao médico. Os outros 95% são angústias vivenciais, e deveriam ser tratados por um outro profissional que fosse capaz de conversar com o paciente, ouvi-lo, aconselhá-lo tocar nele. Muitas das vezes, os pacientes têm problemas que não precisam, necessariamente, de um médico que os resolva. Elas podem ser resolvidas com métodos simples, ou com instruções e conversas. “O profissional que vai ouvir tem que ser treinado pra isso. Tentar juntar a resolução de problemas e a humanização não tem se mostrado eficiente”, afirma. Por isso, Massad questiona se o enfermeiro poderia ser adequado a assumir essa posição. “As vezes, o paciente só quer ser ouvido para discutir e reduzir suas angústias”, ressalta o professor.

A outra possibilidade englobaria um modelo intermediário, baseado em investir nas capacidades humanas e usá-las a nosso favor. Assim, seria necessária uma melhoria nas condições do ensino de medicina nas universidades, e isso incluiria a destinação dos alunos para a habilitação mais adequada às suas características e talentos pessoais. Dessa forma, alunos com maior capacidade de empatia deveriam ser destinados ao contato humanizado com os pacientes, em habilitações como a de cuidados paliativos. “Empatia é a nossa capacidade de sentir o que a outra pessoa está sentindo. O indivíduo capaz de empatizar é que consegue cuidar e orientar os pacientes. Apesar disso, a empatia não é algo adquirido. Você nasce com ela. É como gostar de cachorro: ou gosta, ou não”, conta Massad. Ele ainda ressalta que o neurocirurgião é o profissional da medicina que mais se aproxima do outro extremo, ou seja, da quase-psicopatia, e isso é completamente compreensível, uma vez que esse médico tem que lidar com situações de extremo risco e precisa ser frio e racional.

Sobre a aplicação do Ato Médico, projeto de lei que define quais procedimentos serão exclusivos da medicina e quais serão compartilhados com profissionais de outras áreas, como da Psicologia o professor afirma que ela age na contramão das propostas de humanização da medicina. “É uma tentativa de assumir o controle de uma forma autoritária sobre a saúde da população. Na verdade, trata-se, claramente, de corporativismo: eles estão tentando se defender do que, de fato, acontecerá [o compartilhamento de funções por profissionais de diferentes áreas]”, comenta.

“Será uma tragédia”

Devido a esse impasse na área médica, Massad criticou a política de abertura de novas vagas em cursos de medicina, e a vinda de médicos do exterior para o Brasil. “Não precisamos de mais médicos, nós precisamos de menos médicos. É a grande crise da área da medicina”, afirma. Eduardo realizou um cálculo preliminar e verificou que um aluno da Faculdade de Medicina da USP custa, para a universidade, aproximadamente R$30 mil por mês. Por isso, ele ressalta a inviabilidade do ensino médico em faculdades particulares. Massad ainda comenta: “Essa medicalização da vida é a maior tragedia dos últimos 150 anos. A medicina estendeu a morte, não a vida. Ela não nos deixa morrer, e quando começamos a morrer, ela prolonga essa morte. Essa obsessão em viver infinitamente só agrava o problema”. Nos casos de pacientes terminais, o professor acredita que eles têm que receber assistência na própria casa, junto com a família, e não no hospital. “Não há mais nada a ser feito. É como no caso do Nelson Mandela, só que ele está internado no hospital”, conta. E a importância de uma especialidade que cuide disso, a de cuidados paliativos, evidencia uma das vertentes da humanização da medicina.

Compromisso ético

O professor, que foi coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) durante oito anos, ressaltou a importância da implantação de uma comissão de ética no ensino, o que facilitaria o tratamento médico-paciente. Segundo ele, a criação dessa nova comissão está prestes a ser aprovada. Ela seria relevante para assegurar um sistema de vigilância ativo que evite abusos da medicina no ensino universitário. “A configuração do hospital tem que se adaptar às necessidades do ensino dentro dos limites éticos”, afirma. Ele ainda compara a lei Arouca, que normatiza o uso de animais para pesquisa e ensino à portaria 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa com seres humanos. Enquanto a regulamentação para o uso dos animais é feita por meio de uma lei, a de humanos se trata apenas de uma portaria.

Seguindo a linha da ética no ensino, Massad cita que a ciência já comprovou que o córtex frontal de um ser humano parte do cérebro responsável pela nossa capacidade julgar e projetar as consequências dos nossos atos, que controla nossa tomada de decisões não está completamente pronto e desenvolvido aos dezenove anos. Com isso, ele afirma que a própria redução da maioridade penal não poderia ser aplicada, visto que um adolescente de dezesseis anos não tem total controle de suas decisões.
 


Cobertura jornalística

Camila Camilo procurou, em seu livro, enfatizar também a cobertura da mídia sobre os temas que envolvam a medicina. Com isso, ela percebeu o que chamou de cobertura hipocondríaca: “os jornais geralmente não abordam a maneira como o médico trabalha e trata as pessoas, mas como os leitores devem se cuidar com relação a certas doenças”, conta. Dessa forma, os próprios veículos de comunicação também não contribuem para a humanização médica, pelo contrário, eles mercantilizam a medicina. A aluna ainda cita o Sistema Único de Saúde (SUS) como um possível local para a insurgência da prática da medicina humanizada: “O SUS não é um problema, ele é um aparelho que tem problemas. Mas, por não visar o lucro, dentro dele podem surgir propostas humanizadoras”. Além disso, Camila reforça que a humanização não elimina o progresso tecnológico e os recursos que o médico tem ao seu dispor. Pelo contrário, eles são facilitadores e agem como canais que permitam a medicina humanizada.


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