A nova classe média não está preparada para gastar o dinheiro que conquistou. Ela vai investir no supérfluo e está sendo engolida por esse olho exploratório, foi o que concluiu a banca do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicações e Artes (ECA USP), sobre a utilização dos bens conseguidos pela parcela brasileira denominada nova classe média. O estudo sobre essa fração populacional fez parte do trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da aluna Marina Ribeiro, intitulado Evolução da nova classe média: do surgimento como tese governista aos dias de hoje segundo a cobertura da Folha de S.Paulo.
Desde a criação do termo e de sua aplicação, 53% dos brasileiros está enquadrado no perfil da classe média, sendo que desses, 21% passou a integrar a nova classe média nos últimos dez anos. É considerado parte dessa classificação, o cidadão que ganha a partir de R$ 1.734,00, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Expansão do termo
A aluna se baseou nas publicações do jornal Folha de S.Paulo para traçar um perfil que identificasse como a cobertura desse tema foi feita e ajudou na construção e consolidação dessa nova classe brasileira no imaginário da população. Para isso, Marina mapeou a utilização do termo nova classe média nas páginas da Folha. A expressão apareceu pela primeira vez em setembro de 2007, e desde então figurou no jornal aproximadamente trezentas vezes, atingindo seu pico em 2011. Para explicar sua aplicação social, a aluna enfatizou a teoria da agenda setting, de Donald Shaw: “as pessoas tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a mídia inclui ou exclui do próprio conteúdo”. Com a veiculação crescente do termo na Folha de S.Paulo e na mídia em geral, a população passou a considerar a informação como válida, e a acreditar na existência mesmo de uma nova classe média.
Para a analisar o emprego do termo nas páginas da Folha, Marina dividiu a cobertura em três fases. A primeira fase, iniciada em 2007, foi chamada de Tese Governista. Nela, o grupo ainda era tratado com certa descrença, e o tema não era usado corriqueiramente. Nesse caso, as aspas e citações eram onde o termo mais aparecia. Em agosto de 2008 já há a segunda fase da cobertura da Folha de S.Paulo, classificada pela tentativa de compreensão do fenômeno, em que o próprio jornal explicava aos leitores do que se tratava a nova classe média. A partir de 2009, a Folha assume, de fato, a existência do grupo e o termo chega a outros cadernos que não o de economia (Mercado), que era o que mais empregava a expressão. Dessa forma, houve uma consolidação gradativa da existência da classe, e isso pôde ser visto nas eleições de 2010, em que os candidatos tentaram atrai-la como mercado eleitoreiro.
Desdobramentos
Apesar disso, também houve críticas no próprio jornal à existência da nova classe média. Em espaços de entrevistas e em falas de especialistas, o discurso contrário afirmava acreditar, realmente, na ascensão de trinta mil brasileiros, mas os questionamentos giravam em torno de eles deverem ser considerados classe média mesmo ou não. Ana Estela de Sousa Pinto, editora do caderno Mercado da Folha de S.Paulo, desde 2012, reforçou o destaque dado ao termo – por se tratar de uma novidade, inicialmente – e reconheceu sua validade como um ator real da economia. “Então você tem de fato vários setores que acham que vão crescer por causa desse novo consumidor, desse novo poder de consumo dessa nova parcela brasileira, então eu acho que ele vai continuar na agenda dos jornais”, afirmou a editora em uma entrevista à Marina.
“Esse governo se construiu num tripé: Bndes para os ricos, bolsa família para os pobres e carro com IPI reduzido para a nova classe média, que não consegue manter as posses, as perde e volta a andar de ônibus”, comentou o professor e jornalista Cláudio Tognolli. Com isso, Marina citou os problemas estruturais do processo, como sua efervescência e a aplicação do dinheiro adquirido pela nova classe: “o poder de consumo aumentou, mas a infraestrutura se manteve, não cresceu junto”, o que foi, em grande parte, responsável pela questionável administração da renda por essa parcela da população brasileira.