O romancista, musicólogo, poeta e críitico de arte Mario de Andrade, um dos principais criadores do modernismo brasileiro, construiu uma forte amizade, através de cartas trocadas entre os anos de 1924 e 1925, com o também poeta, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade. Foi através dessas cartas que o professor Ricardo Benzaquen de Araujo (PUC-RJ) analisou a construção da subjetividade textual de Mario, apresentando fortes características de sua obra, de sua personalidade, e também do modernismo no Brasil.
Segundo Benzaquen, é possível perceber as menores mudanças de humor de Mario no decorrer das cartas. O romancista procurava a todo o tempo ser transparente, autêntico e desprendido das normas de correspondência da época – uma escrita cheia de eloquência e decoro. Foi em Minas Gerais que o até então desconhecido e jovem escritor Carlos Drummond de Andrade conheceu o já renomado escritor, quando Mario passou pelo estado mineiro durante seu retorno à São Paulo. A partir daí, o jovem poeta iniciou uma longa troca de cartas com o futuro amigo.
Segundo o pesquisador, Mario apresentava, já no inicio do século XX, uma das características da atual concepção de verdade, associada a uma sinceridade em relação ao conceito de liberdade na escrita – há uma compatibilidade entre a forma como é escrito e o que se sente - entretanto Benzaquén ressalta: “Não é que exista uma associação automática entre eloquência e falsidade.”.
Outra característica forte nas cartas de Mario é a necessidade constante de assegurar que estava vivendo a vida da melhor forma possível, havia uma preocupação em experimentá-la em todas as suas manifestações. Como neste trecho de uma carta enviada a Drummond no ano de 1924: “Só há um jeito feliz de viver a vida: é ter espirito religioso. Explico melhor, não se trata de ter espirito católico ou budista, trata-se de ter espirito religioso para com a vida, isto é, viver com religião a vida. Eu sempre gostei muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente. “.
Mario também apresentava em suas cartas uma característica típica do mordernismo brasileiro, a preocupação com o espírito nacionalista. Não relacionada a uma visão ufanista do Brasil, mas uma preocupação com o avanço do país, o qual ele dizia ser ainda um “monstro mole e indeciso” – aproximava o país das ideias de Aleijadinho e Macunaíma, os quais, segundo Mario, eram personagens sem qualidade, sem características específicas e sem uma forma estruturada. Sobre seus sentimentos relacionados ao Brasil, Mario afirmava: “E que fique bem claro, eu não amo o Brasil espiritualmente mais que a França ou a conxinxina. Mas é no Brasil que me acontece viver.”
Benzaquén também aponta as constantes queixas de Mario em relação a sua saúde, “não sou um sujeito fisicamente são”, dizia o romancista, “fiz uma operação que não tinha importância e que depois de seis dias de dores cruciantes, ainda veio uma cicatrização dolorosa, depois de quase seis dias de jejum absoluto. E este desespero longo de saber a vida existindo sem poder viver, sem trabalhar (...). Ontem de noite confesso que chorei. “. Os problemas de saúde, entretanto, eram vistos por Mario como agentes externos que o atingiam, Mario não deixava que esses problemas, tão incômodos, se enraizassem na sua personalidade.