São Paulo (AUN - USP) - Uma análise da imprensa digital, tomando como base a cobertura de dois momentos marcantes da história recente mundial, os atentados aos EUA de 11 de setembro de 2001, e à Espanha, em 11 de março de 2004. Este foi o tema da palestra realizada no último dia 8 pelo professor espanhol Ramón Salaverria na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA). O convidado é professor na Universidade de Navarra, na Espanha, e há muito tempo estuda as práticas do jornalismo digital. As informações apresentadas pelo estudioso deflagram como o jornalismo aprendeu “na marra” a usar as potencialidades da Internet e os desafios que estão por vir.
Quem costuma freqüentar os sites dos principais veículos de comunicação nos dias de hoje provavelmente não acreditaria como eram mal estruturadas essas home pages em 2001. A enorme diferença seria mais admissível não fosse o curto intervalo de tempo de pouco mais de três anos. Nomes como CNN, The New York Times, El Pais , MSNBC (parceria entre Microsoft e NBC) e outros, apresentavam erros graves em suas versões para o cyber espaço.
Imaginem, por exemplo, substituir a tradicional fonte em que é escrito o The New York Times pela fonte times new roman (aquela tradicional do Word), chega quase a parecer outro jornal. Sem falar no site do jornal argentino Clarin, que mais parecia uma agência de notícias no dia 11 de setembro, uma página exclusivamente de textos com alguns links, e no dia seguinte tinha cara de diário informativo, com várias matérias geradas pela demanda de informação que se seguiu aos atentados . Como explica Salaverría, esse quadro mostra “a falta de identidade desses veículos”, comprovando a precariedade que reinava no jornalismo digital.
Se no 11 de setembro a maioria dos portais de informação não tinha estrutura multimídia, e sim uma avalanche de textos, no 11 de março de 2004 foi possível ver uma cobertura que abusou de imagens, vídeos, depoimentos. O clima meio amador na web em 2001 criava até um ambiente de impunidade com os profissionais. Os exemplos de erros mostrados na palestra confirmam essa realidade, como as matérias espanholas que transformaram gratuitamente um boing 300 em um boing 700. Erros absurdos de informação, que parecem ter sua origem na crença da irrelevância da Internet.
Na cobertura dos atentados em Madri é possível notar como essa situação mudou. Durante a manhã do dia 11 de março, a manchete do El Pais não apontava responsáveis pelos crimes. Esperava-se um posicionamento do diretor do jornal conforme desenrolassem as informações ao longo do dia. Só durante a tarde a notícia indicava os possíveis responsáveis.
Todas as mudanças notadas através do paralelo entre as coberturas mostram o que a imprensa já aprendeu sobre o meio digital. O primeiro aspecto é a preparação tecnológica. Foi preciso esse investimento dos veículos para a adaptação do jornalismo tradicional à rede mundial de computadores. O outro é a aceitação de que a Internet é relevante. É depois de concordar com essa premissa que passa a ter sentido o investimento no jornalismo digital. E também a Internet é multimídia. É possível explorar os formatos do audiovisual na web. Algo comum hoje, mas que não se efetivou no 11 de setembro.
Entretanto, ainda há lições a se aprender. Por ficarem presos aos formatos tradicionais, os veículos acabam aproveitando mal certas possibilidades da Internet. A interatividade em um grau altíssimo, possível nesse meio, é muito pouco aproveitada, por exemplo. Segundo Salaverría, “a cultura profissional do unidirecionalismo parece ainda sobressair”, mesmo nas redações de imprensa digital.
A discriminação dos espaços alternativos de informação existentes na web é outro erro. Existe ainda a idéia que só os grandes veículos de comunicação oferecem informação. Mas o fato é que desde sites institucionais, até blogs, listas e foros levam informação e discussão para quem usa a web. Toda essa gama de possibilidades gera uma nova categoria de leitores, os que lêem de tudo, buscam detalhes, são opinativos e exigem informação de qualidade. É difícil medir até que ponto os veículos pautados por generalidades conseguem satisfazer esse personagem.
Fica agora o desafio: como os meios de comunicação vão encarar essas possibilidades oferecidas pela web, e como corresponder aos anseios desse “super-leitor”?