As atuais demandas pela democratização do acesso à universidade geram a necessidade de se repensar o modelo de ensino superior que é aplicado hoje. Os alunos provenientes das camadas populares precisam encontrar condições favoráveis para ter uma inserção crítica de qualidade no ambiente acadêmico.
A partir da contribuição de Paulo Freire na educação de jovens e adultos nas décadas de 1960 e 1970 e sua experiência na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989-1991), a pesquisadora Viviane Rosa Querubim elaborou a tese de doutorado “Paulo Freire e o ensino superior: referenciais freirianos para pensar a universidade brasileira”.
Segundo o Censo da Educação Superior de 2012, apenas 17,8% da população na faixa etária de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior ou graduados. Em seu estudo, Viviane teve como foco os estudantes que não tiveram acesso a uma escola de qualidade e se vêem ingressando no ensino superior por meio de políticas públicas que visam facilitar o processo, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). “Trata-se de alunos que não foram minimamente apresentados aos conteúdos tradicionais das ciências, mas que enfrentarão um currículo universitário que exigirá deles esse domínio teórico”, aponta Viviane.
Para a professora, a maioria das universidades não está preparada para receber esses jovens. “Os professores, impregnados de um modelo tradicional de ensino superior, maltratam esses novos alunos e trabalham de forma incompetente com eles”, afirma Viviane. “Ou porque desconhecem os meios para dialogar, ou porque politicamente estão comprometidos com o projeto elitista e autoritário de sociedade”.
Paulo Freire afirmava que as relações entre professores e alunos precisam ser educativas e dialógicas, assim como a universidade precisa ser democratizada por dentro e por fora. Dentro do contexto neoliberal, observa-se um investimento na expansão de universidades privadas, que, voltadas principalmente para o mercado de trabalho, priorizam a “educação bancária” — termo usado por Freire para descrever a transmissão unilateral e hierarquizada de conhecimento.
Consequentemente, ocorre um sucateamento das universidades públicas, que têm sua autonomia diminuída e transferida para o Estado, além de ser alvo de práticas corporativistas cada vez mais comuns, como a prestação de serviços para empresas privadas que financiam pesquisas, ou a oferta de cursos pagos de pós-graduação. A pesquisadora afirma que, “quando a ocupação maior da universidade passa a ser a de preparar pessoas prioritariamente para o mercado de trabalho, o espaço para questionar as relações hegemônicas fica prejudicado”.
Alem disso, para a pesquisadora, as alterações necessárias à forma de se pensar o ensino superior brasileiro devem vir acompanhadas de reformas na escola básica e média para que ocorram com eficácia. “Significa dizer que não se faz democratização do ensino superior das áreas populares e da escola pública.”