O uso de medicação para melhorar o desempenho da memória e da atenção, muito empregado por quem deseja obter melhores resultados nos estudos e no trabalho, é chamado de doping intelectual. Mesmo que, no Brasil, a literatura sobre ele seja escassa, Juliana Camilo dos Santos de Almeida se dedicou ao seu Trabalho de Conclusão de Curso na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP em busca de mais informações sobre este fenômeno. Ela estudou três substâncias — donepezila, modafinila e metilfenidato — e não encontrou relação comprovada destes fármacos com a melhora cognitiva.
“A pressão em que vivemos na sociedade atualmente faz com que as pessoas busquem de artifícios para vencer a ‘competição da vida’ sem sequer medir as consequências para sua saúde”, conta Juliana, que foi motivada por uma aula da disciplina de toxicologia que cursou na FCF, ministrada por seu orientador, Maurício Yonamine. Ela explica que houve uma intensificação considerável nos últimos anos na busca por modos de alterar capacidades cognitivas como a memória, a atenção ou a vigília (a privação de sono durante a noite), em pessoas consideradas saudáveis. Segundo ela, este aumento pode estar relacionado a pressões sociais e educacionais. Além disto, a farmacêutica-bioquímica concluiu em sua pesquisa que não há um consenso entre os artigos médicos sobre a utilização das medicações estudadas para fins de melhora cognitiva.
Os fármacos analisados são usados, em geral, para tratar transtornos que atingem a mente. A donepezila é um medicamento indicado para o tratamento da doença de Alzheimer, cujo sintoma mais comum é a perda de memória. O metilfenidato, por sua vez, faz parte da classe dos psicoestimulantes, e é receitado no combate ao transtorno do déficit de atenção e da hiperatividade (TDAH) e da narcolepsia. Esta última doença é caracterizada principalmente por ocorrências irresistíveis de sono. Por fim, a modafinila também é utilizada no tratamento de narcolepsia, além da síndrome de apneia obstrutiva do sono e distúrbios do sono relacionados ao trabalho noturno.
Juliana realizou buscas de artigos publicados nos últimos 10 anos sobre o assunto em bases literárias, como PubMed e Scielo. Ela pesquisou textos em português e inglês contendo as palavras-chave “smart drugs”, “smart pills”, “cognitive enhancers”, “neuroenhancement drugs”, “brain doping”, “doping intelectual” e “melhora cognitiva”. Estudos clínicos, revisões bibliográficas, relatos de casos e editoriais foram incluídos na bibliografia. A partir daí, ela realizou a revisão de literatura e construiu seu próprio artigo Doping intelectual: quais os riscos para a saúde?.
“Há pouca informação relacionada à segurança em longo prazo do uso destas medicações por indivíduos saudáveis”, relata, que também não encontrou muitos artigos que tratassem das reações adversas deste uso. A farmacêutica-bioquímica percebeu que, principalmente fora do Brasil, o doping intelectual é muito comum. No nosso país, por sua vez, não se pode afirmar que o número de casos é baixo, mas sim que a literatura brasileira sobre o assunto é escassa, o que mostra uma necessidade de mais estudos sobre o tema. Além disto, Juliana não constatou evidência clara que o uso destes medicamentos como doping intelectual surta o efeito desejado por estas pessoas saudáveis.