Uma estrutura utilizada pelos antigos pescadores caiçaras, que estava abandonada há mais de 40 anos na base de pesquisas do Instituo Oceanográfico (IO-USP) João de Paiva Carvalho, em Cananeia, está sendo restaurada pela equipe do projeto “Um Mar de Histórias para Contar” e transformada em sítio histórico. Os objetivos da ação seriam preservar um elemento da cultura caiçara que contribuiu nas pesquisas de campo do Instituto e aproximar a população das atividades da Universidade na região.
A proposta “Um Mar de Histórias para Contar” se encaixa nos propósitos do Instituto de preservar a sua memória histórica e cultural através de documentos e depoimentos, mas se direciona especificamente à região de Cananeia. O sítio histórico, que foi integrado ao projeto, era utilizado durante os primeiros anos de pesquisa do IO na cidade.
Composta por uma banheira de tijolo e cimento, um fogareiro, uma grelha, um cadeirão, um cavalete e um poço artesiano, a estrutura foi descoberta recentemente na parte de trás dos alojamentos da base, em terreno pertencente a ela. Através de pesquisas com funcionários antigos da base de Cananeia e moradores mais velhos da região, as equipes do Museu Oceanográfico e da diretoria do Instituto descobriram que se tratava de uma antigo método de conservação de redes de pesca.
A técnica, apelidada de “Cascador de Redes”, consistia na fervura de cascas de árvores de mangue vermelho em um grande caldeirão, utilizando a água do poço, e no seu despejo dentro da banheira onde seriam mergulhadas as redes de algodão. Depois de um tempo “de molho”, as redes eram retiradas da banheira e colocadas para secar no cavalete, adquirindo um coloração avermelhada.
“Quando a rede está tingida, ela fica mais difícil de ser vista pelos peixes dentro da água e a armadilha tem mais funcionalidade. [A técnica] Também servia para conservar a trama do fio de algodão, que era muito sensível e estragava muito rápido”, explicou Sérgio Teixeira de Castro, biólogo e chefe do Museu, além de integrante do projeto “Um Mar de Histórias para Contar”.
Segundo Castro, embora não haja muitas evidências sobre isso, acredita-se que o método tenha sido passado pelas comunidades indígenas aos caiçaras e seja praticado há séculos na região. A estrutura recuperada teria sido construída logo após a fundação da base em Cananeia no ano de 1949, mas abandonada com advento e barateamento das redes de fios de nylon em meados da década de 70.
Uma equipe foi montada para a restauração dos antigos equipamentos do local. O mato que crescia na região foi retirado e as partes quebradas foram consertadas. Um telheiro, confeccionado com madeira de reflorestamento, foi instalado a fim de se criar um espaço de visitas para a população da região. O objetivo, segundo o biólogo, seria preservar e valorizar uma das técnicas utilizadas pelos caiçaras para pesca e que teria contribuído no início das pesquisas do Instituto na região.
“Queremos mostrar que a oceanografia, além de multidisciplinar, é multifacetada, multicultural. Nosso objetivo aqui é mostrar a importância da cultura caiçara na ciência. Hoje, ela [a ciência] é tratada como se fosse uma descoberta inédita de cientistas renomados(...), quando, muitas vezes, se utiliza de meras adaptações de coisas que já existiam”, opinou Castro.
A restauração do telheiro e da banheira de alvenaria ainda precisa ser finalizada. Para concluir a recuperação, um banner explicativo será colocado no local e o sítio será aberto periodicamente para visitação. O propósito, que se inclui na razão de ser do projeto “Um Mar de Histórias para Contar”, é aproximar os habitantes da região das atividades desenvolvidas na base e na Universidade.
“Antigamente, ninguém sabia o que [a base] era nem por que estava lá. Hoje, abrimos o local para a população durante o aniversário da cidade, fazemos oficinas para as crianças, mostramos por que é importante pesquisar e o que é a oceanografia. Há quinze anos, nem se pensava nisso”, esclareceu o biólogo.