São Paulo (AUN - USP) - A partir de estudos comparativos entre serpentes e mamíferos, o Butantan está desenvolvendo uma pesquisa que pretende conhecer mais profundamente o funcionamento dos hormônios ligados à reprodução da Jararaca. Quando for concluída, novos estudos comparativos permitirão um maior conhecimento do aparelho reprodutor humano, o que poderá contribuir para o tratamento de problemas de fertilidade como a puberdade precoce e a infertilidade.
A gonadotrofina é um hormônio que regula a função reprodutiva tanto de mamíferos como de serpentes. Age nas gônadas (testículos nos machos e ovários nas fêmeas) e pode ser de dois tipos: FSH e LH. “A peculiaridade das serpentes é que não foi possível distinguir nelas os dois hormônios existentes em outros animais, até em peixes e anfíbios, inferiores a ela na escala evolutiva” diz a pesquisadora Maria de Fátima Lázari. Isto levou à hipótese de que teria apenas um tipo de gonadotrofina. Se isso fosse verdade, haveria também um só receptor, que é a proteína presente nas gônadas que se liga ao hormônio, permitindo que ele tenha ação. A dúvida maior surgiu quando foram aplicados tanto o FSH quanto o LH de mamíferos em serpentes. Elas responderam normalmente a ambos, o que significaria que a serpente tem um receptor que responde aos dois hormônios ao mesmo tempo, ou que na verdade ela tem dois receptores ainda não descobertos.
A partir daí, o primeiro passo seria descobrir a seqüência total de aminoácidos desse receptor, para cloná-lo e conseguir estuda-lo da forma mais completa possível. Essa etapa começou 1999, como trabalho de mestrado da aluna de biociências da USP Ana Paula Canel Blhum, financiado pela FAPESP e orientado pela pesquisadora do Laboratório de Farmacologia do Instituto Butantan Maria de Fátima Magalhães Lázari. As pesquisadoras, através de técnicas da biologia molecular, isolaram todos os RNAm (que contêm a mensagem para a síntese de proteínas da célula) de testículo da serpente. Depois, produziram a seqüência de nucleotídios complementares a eles, o que constituiu seqüências do chamado cDNA. Formou-se então uma “biblioteca” de cDNAs, armazenados em moléculas chamadas fagos. Com a biblioteca pronta, foi isolado um cDNA correspondente a uma seqüência parcial do receptor. Pra conseguir, finalmente, a seqüência total do receptor, a técnica de RACE (Rapid Amplification of cDNA Ends) foi utilizada. Ela consegue amplificar determinadas regiões do DNA através da reação em cadeia da polimerase (enzima que age no processo de duplicação do DNA). Assim, o receptor foi totalmente clonado.
Estudando-o minuciosamente, concluíram que ele se parece mais com o receptor de FSH dos outros animais. Os próximos passos serão descobrir a função desse receptor, testando-os em células de mamíferos. Comparações entre esse receptor e o dos mamíferos já estão apontando algumas diferenças em suas funções.
Com isso, percebe-se que ainda há muito trabalho pela frente, já que “ainda pretendemos procurar receptores de LH, o que completaria o estudo dos receptores, e começar o estudo dos hormônios da Jararaca”, diz Maria de Fátima.
O andamento da pesquisa já foi apresentado no XVI Congresso Latino-americano de Farmacologia, em setembro do ano passado, em Águas de Lindóia, e no IV Workshop de Fisiologia Animal Comparativa, em março deste ano, em São Carlos. O trabalho de mestrado, que diz respeito apenas ao estudo desse receptor parecido com o FSH, deve ser apresentado já no ano que vem.