ISSN 2359-5191

10/11/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 131 - Saúde - Faculdade de Ciências Farmacêuticas
Substância encontrada no ar pode gerar câncer
Pesquisa mostra como substâncias carcinogênicas encontradas no ambiente alteram o organismo humano
O benzopireno é uma das substâncias encontradas no ar que respiramos e pode levar ao câncer. Fonte: Marcos Santos/USP Imagens

Condições externas como meio-ambiente e hábitos pessoais podem estar diretamente ligadas ao aparecimento do câncer no ser humano. O ar que respiramos contém a substância benzopireno, entre vários hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) que são liberados sempre que há queima de matéria orgânica (combustíveis fósseis, cigarros, madeira, carvão entre outras), e pode levar ao câncer.

 Estudo realizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP avalia como substâncias carcinogênicas atuam no nosso organismo e alteram o metabolismo celular até o ponto de gerar câncer. Ana Paula de Melo Loureiro é a professora responsável pela pesquisa e teve Tiago Franco de Oliveira como orientando de pós-doutorado nesse estudo. “Trabalhamos com cultura de células e selecionamos uma do epitélio brônquico que foi cultivada em laboratório e exposta a uma substância carcinogênica”, diz Ana Paula.
 
O benzopireno é uma substância estudada há muitos anos que induz a transformação celular do fenótipo normal para o tumoral. Foi um dos primeiros elementos a ser isolado de partículas de fuligem, que, em diferentes experimentos, revelou ter efeito carcinogênico em animais. Hoje se sabe que essa molécula é carcinogênica também para seres humanos e está no grupo 1 (considerado o grupo mais perigoso) da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC, na sigla em inglês). Essa agência faz uma classificação de substâncias carcinogênicas para seres humanos e das poucas substâncias que estão no grupo 1, o benzopireno está incluso. 

Na maioria dos estudos de outros pesquisadores são feitas incubações de células com essa molécula em concentrações maiores do que as utilizadas no estudo realizado por Tiago Franco. “Nós trabalhamos no intervalo de 0,1 micromolar até 1 micromolar. Geralmente os estudos empregam concentrações de 5 a 20 micromolar. Dependendo da concentração, há diferentes tipos de efeitos. Nas concentrações que utilizamos, não verificamos a indução de mutação nas células”, diz a professora. 1 micromolar significa a milionésima parte do molar (mol/L).

Sabe-se que o benzopireno lesa o DNA, o qual se duplica e sofre mutações. Quando as células foram incubadas com benzopireno em baixas concentrações ao longo de uma semana, não foi verificada a ocorrência de mutação (isto é, alteração na sequência de bases do DNA) em um determinado gene utilizado como alvo. “Verificamos, no entanto, algumas alterações no metabolismo da célula e na metilação do DNA e queremos entender se essas alterações são capazes de levar à transformação da célula para o fenótipo tumoral”

A célula do câncer tem um metabolismo alterado: ela cresce e se replica mais rápido, estimula o crescimento de vasos sanguíneos e isso se dá em função de uma série de alterações metabólicas. Para observar essas alterações em uma célula normal ao ser exposta a um ambiente com benzopireno, foram selecionados alguns intermediários de vias metabólicas alteradas no câncer: a via glicolítica e o ciclo de Krebs.

Depois de ficarem expostas por uma hora ao benzopireno, foram notadas alterações nas quantidades desses metabólitos e ao longo da semana os níveis variaram. Para a maioria dos metabólitos avaliados ocorreu uma queda no começo (após a primeira hora de exposição), seguida de uma estabilização (até 72 horas após o início) e, finalmente, aumento da quantidade em relação ao controle (no período de 96 a 168 horas após o início da exposição).

Entre esses metabólitos, existem alguns como o fumarato e succinato que são intermediários do Ciclo de Krebs e são comprovadamente metabólitos que induzem câncer. Por exemplo, pessoas com mutações na enzima fumarato hidratase apresentam acúmulo celular de fumarato e têm maior tendência a ter diferentes tipos de câncer. O fumarato é um dos metabólitos capazes de induzir alterações epigenéticas, como as alterações dos níveis de metilação do DNA observadas no estudo de Tiago Franco. 

Verificando essas alterações, o intuito agora é testar substâncias que possam intervir no processo e prevenir o desenvolvimento da doença. “Podemos pensar em suplementação com substâncias que regulariam o metabolismo e teriam papel preventivo contra o câncer", explica Ana Paula.

Sobre o resultado dessa pesquisa, Tiago diz que é preocupante. "Nós estamos trabalhando com concentrações extremamente baixas que provocam alterações metabólicas e epigenéticas que podem ter um desfecho ruim para o ser humano. Isso serve para alertar que mais estudos devem ser feitos”, completa.


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