São Paulo (AUN - USP) - Quase três séculos depois da invasão do Rio de Janeiro por piratas franceses, os portos brasileiros novamente correm o risco de receber estes navegantes. O cenário, desta vez, é o Nordeste, e os corsários, espanhóis. O motivo é a tentativa de transformar terminais da Paraíba e Rio Grande do Norte em portos livres, que permitem que a captura dos pescados seja contabilizada na conta dos países de origem dos barcos. É o que afirmou Gabriel Calzavara, do Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca (Conape) em mesa-redonda realizada no Instituto Oceanográfico (IO/USP).
Os piratas são assim denominados porque pescam acima do limite permitido pelas leis espanholas. Os portos livres seriam uma tentativa de computar a pesca excedente destas embarcações para a Espanha, que, segundo Calzavara, percebeu que o Brasil estava crescendo no litoral nordestino (rota de grandes migradores espadarte) com barcos arrendados de lá. Com isso, no entanto, as capturas são contabilizadas pelos cofres brasileiros, ao invés dos espanhóis.
Para a abertura dos portos, a Espanha ofereceu aos governadores da Paraíba e Rio Grande do Norte bilhões de euros, além de recursos para pesquisa e geração de empregos. Mas o discurso do desenvolvimento econômico não foi o único utilizado pelos espanhóis, que denominaram sua iniciativa como “a legítima tentativa de proteger o patrimônio histórico”. “É a reprodução do Tratado de Tordesilhas”, afirmou Calzavara, referindo-se ao acordo que, durante a colonização, dividia a América entre os países ibéricos.
Para Fabiano Duarte, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca do Paraná (Seap/PR), outro debatedor presente na mesa-redonda, no entanto, os portos não correm o risco de serem abertos. “O presidente [Lula] não deixou isso acontecer. Acho que não precisamos nos preocupar”, disse. Além disso, ele afirmou que a maior barreira está no setor produtivo nacional, que está se engajando na pesca oceânica. Independente do governante, portanto, existe o lobby desta indústria, que mantém o fechamento dos portos como posição de estado, e não de governo.
Como estímulo para que isto aconteça, Duarte lembrou a experiência de outros países onde alguns portos tornaram-se livres, como o Uruguai: “ficaram as prostitutas e as drogas”, afirmou.