São Paulo (AUN - USP) - Nos últimos 14 anos, a região sul do Oceano Atlântico está tendo um aquecimento maior que a média global. A porção mais ao sul dessa área, em especial, tem uma característica rara nos oceanos: próximo à Antarctica, águas superficiais são resfriadas e por se tornarem mais densas, vão para o fundo, onde passarão a fazer parte de uma enorme massa de água abissal que alimentará o restante do planeta. Estas águas lentamente voltarão à superfície, completando o ciclo. Esta circulação que redistribui as águas profundas ao redor do globo tem um período da ordem de séculos e é movida pelas variações de temperatura e salinidade, daí o nome de circulação termohalina.
Observações por satélites sugerem que o aumento da temperatura da atmosfera decorrente do efeito estufa já é notado nos mares. A capacidade térmica da água é cerca de 4000 vezes maior do que a do ar, o que equivale dizer que dois metros e meio de oceano conseguem reter tanto calor quanto toda a atmosfera. Desta forma, o oceano funciona com um amortecedor das mudanças climáticas. Porém, um acréscimo na temperatura do mar na região de geração das correntes termohalinas, potencialmente afetará a dinâmica das correntes oceânicas do mundo todo.
Isto é o que indicam as informações obtidas por satélites que observam as variações da altura das águas do oceano. Os pesquisadores do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP), Paulo Simionatto Polito e Olga Sato, estudiosos da relação existente entre efeito estufa e os oceanos, comparam a situação acima com um termômetro: quanto maior a temperatura do meio, maior a elevação da coluna de mercúrio. Desse modo, descontando-se os efeitos atmosféricos, se há elevação das águas sabe-se que nessa mesma área a temperatura média da coluna d'àgua aumentou. Os dados obtidos desde 1992 por satélites especializados sugerem que houve aquecimento desde então, uma vez que foi registrado um aumento no nível dos oceanos. O trabalho de Polito e Sato será publicado na Journal of Climate.
No caso da região geradora da circulação termohalina, o que se pode observar é um aumento na altura das águas de 3,27mm/ano enquanto a média global é de 2,55mm/ano. A diferença é significativa em longo prazo.
Polito explica que a variação no calor armazenado não afeta apenas as correntes termohalinas. De uma forma geral, a amplitude das ondas de Rossby internas – ondas que tem período típico de meses a anos e comprimento da ordem de mil quilômetros e fazem o elo entre o fundo e a superfície dos mares – tem aumentado em todos os oceanos. Essas ondas, por terem um grande comprimento, são capazes de carregar maior energia que as de outros tipos. Estas ondas influenciam diretamente as principais correntes nas bordas oeste dos oceanos; a Corrente do Brasil, a Corrente do Golfo (a Leste dos Estados Unidos), a Kuroshio (a Leste do Japão).
Polito aponta o aumento de amplitude destas ondas como decorrência do aquecimento não-uniforme dos oceanos, observado nos últimos 13 anos. Um aquecimento diferenciado em regiões relativamente próximas gera um gradiente de pressão por causa da variação na densidade da água. O gradiente de pressão faz variar a velocidade das correntes que conseqüentemente se tornam mais turbulentas – o que é provado empiricamente com o aumento na quantidade de vórtices (movimento circular ou em espiral das águas).
Fica cada vez mais claro que, afirma Polito, o aquecimento global é capaz de alterar o estado térmico dos oceanos e que indícios estão presentes nos 13 anos de dados. Ainda assim, o pesquisador afirma que “é preciso ser cauteloso, pois em termos de mudanças climáticas, 13 anos é um período muito curto para que sejam tiradas conclusões definitivas.”