São Paulo (AUN - USP) -Projetos sociais com pescadores vem trazendo resultados na luta pela salvação das tartarugas marinhas. O objetivo é conscientizar o pescador da importância da sobrevivência das tartarugas, quebrando alguns estereótipos e ensinando como preservar essa espécie ameaçada.
Alguns pescadores têm raiva de tartarugas por achar que esses animais comem os peixes, o que não é ao todo verdade: elas também se alimentam de crustáceos e moluscos e algumas espécies, como a tartaruga verde e a tartaruga gigante, comem apenas algas e águas-vivas, respectivamente.
José Henrique Becker, palestrante na Semana de Oceanografia da USP, é biólogo e coordenador técnico do projeto Tamar, que vem criando esses projetos sociais desde 2001. “O papel do pescador é muito importante na preservação da tartaruga marinha”, explica Becker. Isso porque um dos fatores que mais influenciam na mortalidade das tartarugas é a pesca acidental desses animais: os pescadores, interessados em pegar peixes, acabam capturando tartarugas com os equipamentos de pesca. Os equipamentos onde mais se ocorre a captura acidental são as redes de emalhe para lagostas, os arrastos de fundo para camarões, as redes de emalhe para peixe e o chamado espinhel (com anzóis). No caso das redes, as tartarugas ficam presas no fundo do mar, o que impede que elas subam à superfície para respirar e provoca morte por afogamento. “Sem contar as que perdem as nadadeiras com fios enroscados”, acrescenta Becker.
Já no caso da pesca com espinhel, o que mais prejudica é o formato do anzol. O anzol em formato de “J” é profundo e, quando mordido por uma tartaruga, prende o animal pelo esôfago. O pescador, então, não consegue tirar o anzol da tartaruga: o animal morre, com dificuldade de respirar e de se alimentar, e o pescador perde o anzol, o que aumenta ainda mais a raiva por esses animais. A alternativa é o uso de um anzol de ponta mais arredondada, o chamado anzol circle hook (redondo). Com esse formato, a tartaruga não engole o anzol e ficará apenas com a boca presa, o que pode ser facilmente retirado pelo pescador, com a soltura do animal e a conservação do anzol. O circle hook não prejudica na pesca, pelo contrário: sem pegar os peixes “pela garganta”, garante que o peixe não se solte e é mais vantajoso ao pescador.
O projeto Tamar vem desenvolvendo o “Plano Interação Tartarugas Marinhas e Pesca” que, além de conscientizar, estuda o relacionamento desses animais com a pesca e recolhe dados de tartarugas em alto mar, rastreia o deslocamento delas após a captura e determina a taxa de sobrevivência das tartarugas libertadas por pescadores.O programa traz auxílio social às comunidades costeiras. “O Projeto Tamar conta com cerca de 1.300 colaboradores, a maioria moradores dessas comunidades, que são beneficiadas por várias ações de inserção social”, explica Becker. Entre essas ações, destaca-se a educação ambiental e o auxílio a buscas de táticas não predatórias de pesca.
Além disso, o Tamar revende trabalhos artesanais de mulheres e jovens, muitas delas esposas de pescadores. Além de ajudar na renda das famílias, esses projetos conquistam a confiança e o respeito dos pescadores, o que se traduzirá em proteção às tartarugas toda vez que um desses trabalhadores pescar uma tartaruga por engano. Além das vendas, o projeto também ajuda na manutenção de creches, incentivo ao cultivo de ostras (que é uma atividade ambiental sustentável) e valorização às tradições regionais, como a capoeira e o rendado.
O trabalho mais famoso do Tamar é o de Reabilitação de Tartarugas Marinhas, onde o projeto recolhe os animais doentes e machucados, para tratá-los e depois devolvê-los ao mar. Para Becker, porém, os projetos sociais muitas vezes trazem mais resultado que os famosos cuidados veterinários de reabilitação: “Às vezes, o dinheiro que gastamos, salvando uma tartaruga machucada, poderíamos usar em um projeto com pescadores e salvar mais de 100 tartarugas”.