São Paulo (AUN - USP) -O animal conhecido pelo seriado Free Willi, a baleia assassina, diferentemente do que o nome nos leva a pensar, não é uma baleia. Segundo o biólogo Marcos César de Oliveira Santos, do Laboratório de Biologia da Conservação dos cetáceos e palestrante da Semana de Oceanografia da USP, o equívoco é culpa do termo popular pelo qual o animal ficou conhecido.
Para entender em que lugar a baleia assassina se encaixa na classificação, é necessário conhecer as duas principais classes de cetáceos: os misticetos e os odontocetos. Os misticetos são cetáceos que possuem “barbatanas” na boca, uma espécie de cerdas formadas por queratina, a mesma substância presente nas nossas unhas e cabelo. Essas barbatanas formam uma espécie de cortina dos dois lados da boca do animal e têm a função de filtrar a água e prender o alimento. “Importante salientar que essa ‘barbatana’ não tem nada a ver com a nadadeira do animal, apesar de muitas pessoas confundirem esses dois termos.”, explica Marcos. Nos cetáceos, apenas os misticetos possuem essa barbatana. Além disso, eles chegam a ter 33 metros de tamanho quando adultos (com exceção da baleia anã, que chega apenas a seis metros) e possuem dois orifícios respiratórios. Generalizando, usa-se o termo “baleia” para se referir aos misticetos, e todos eles possuem essa palavra no nome: baleia azul, baleia sei, baleia jubarte, baleia franca, entre muitas outras.
Já os odontocetos possuem diversas características diferentes dos Misticetos. Primeiramente, odontoceto significa “cetáceo com dentes”. O nome já explica a principal característica desses cetáceos: ao invés da barbatana de cerdas na boca, o animal possui dentes para capturar e mastigar os alimentos. São bem menores que os misticetos, pois adquirem no máximo 18 metros de comprimento. Além disso, possuem apenas um orifício respiratório. “Ambos os misticetos e odontocetos possuem dois canais nasais”, explica Marcos, “mas os odontocetos abrem um orifício nasal só”. Aqui, o termo mais usado para generalização é “golfinho”.
O problema surge com alguns elementos da classe dos odontocetos que receberam o nome popular de “baleia” devido ao seu tamanho avantajado se comparado aos demais golfinhos. É o caso da baleia-bicuda e da baleia assassina: nenhuma das duas são baleias, pois possuem dentes e todas as outras características dos odontocetos. Porém, por geralmente serem maiores que os golfinhos (a maioria dos golfinhos não chega a 10 metros), são popularmente chamados assim.
“Termo popular é um problema”, explica. Marcos conta que, ao ir trabalhar em Ubatuba, com golfinhos Sotalia, perguntou aos moradores onde os encontrava. A resposta foi: aqui não tem golfinho, só tem boto. Ele demorou um certo tempo para descobrir que o “boto” era, na verdade, o golfinho, e que por golfinho eles entendiam apenas os animais que nadavam longe da costa.
No caso das baleias assassinas, o problema no termo popular não é inicialmente da língua portuguesa, e sim da inglesa. A palavra “baleia assassina” vem de “killer whale”, assim como a “baleia bicuda” vem de “beaked whale”. A palavra “whale”, desempregada de seu sentido, foi a responsável por toda a confusão de termos. O motivo de toda a dúvida é, portanto, os nomes populares. Porém, os nomes comuns vêm cobrir uma falha, pois, como explica Marcos,“Não podemos explicar para uma criança, que quer saber sobre animais marinhos, que existem misticetos ou odontocetos.” Até mesmo adultos que não são da área oceanográfica terão dificuldade com essas palavras, que apenas pelo tamanho e sonoridade já assustam .
Daí surge outra questão: a baleia assassina é uma baleia ou um golfinho? Marcos brinca que essa é a pergunta que ele mais recebe, todos os anos, para responder para a Revista Super Interessante. Alguns treinadores e diversos textos explicativos da internet já tentam explicar o equívoco dizendo que, tecnicamente, baleias assassinas são golfinhos, pois possuem dentes. Mas essa explicação acaba gerando outra confusão equivocada. A verdade é que baleias assassinas não são baleias nem golfinhos. Elas são um odontoceto. Para não usar essa palavra problemática ao se referir a esse animal, e nem associá-lo a baleias ou golfinhos, Marcos aconselha a se referir às baleias assassinas pelo nome de orca.