São Paulo (AUN - USP) - O nascimento de três filhotes de uma sucuri mantida em cativeiro no Instituto Vital Brasil (que fica em Niterói, Rio de Janeiro), e que não teve nenhum contato com um macho de sua espécie, pode causar estranhamento às pessoas que não estão familiarizadas com o assunto. Mas segundo a pesquisadora do Instituto Butantan, Selma Almeida-Santos, duas explicações são plausíveis: a cobra copulou antes de ser capturada e armazenou os espermatozóides, ou houve um raro processo de partenogênese ? quando um óvulo se desenvolve sem ser fecundado.
Para Selma, a primeira hipótese é muito remota, já que a serpente está em cativeiro há 26 anos. "Dificilmente uma célula, e o espermatozóide é uma célula, sobreviveria por tanto tempo", argumenta, completando que o tempo máximo de sobrevivência do espermatozóide armazenado no trato reprodutivo da fêmea varia de quatro a sete anos. A ocorrência da partenogênese é, pois, mais provável e a pesquisadora afirma que um teste especial de DNA (conhecido como fingerprinting) deverá ser feito para comprovar esta hipótese.
Selma cita um trabalho pouco conhecido no Brasil comandado pelo norte-americano Gordon Schuett, que descreve um tipo especial de partenogênese (a facultative automictic parthenogenesis ? FAP) ? encontrado em aves domésticas, como a galinha ? e que foi constatado por ele em cobras nos Estados Unidos.
O pesquisador analisou uma "garter snake" (Thaminophis) e uma cascavel americana (Crotalus horridus), que tiveram em cativeiro filhotes mesmo sem terem tido contato com machos de suas espécies. Como em ambos os casos os filhotes nasceram muito tempo depois das cobras terem sido capturadas, levantou-se a hipótese da partenogênese.
As cobras estudadas pelo norte-americano deram à luz a poucos filhotes, sendo todos eles machos. Além disso, havia muitos embriões que não chegaram a se desenvolver. As características descritas no trabalho do pesquisador se assemelham ao acontecido no Rio de Janeiro, no qual a sucuri teve três filhotes (ainda não se sabe o sexo deles) e colocou vários "ovos" ? que na verdade eram filhotes que não vingaram, já que a sucuri é vivípara, ou seja, não coloca ovos e dá à luz a filhotes vivos. O passo seguinte de Schuett foi fazer um exame de DNA nas serpentes recém nascidas, que comprovou a falta de genes paternos.
Selma explica que é importante fazer o exame de DNA porque, no caso das cobras, as fêmeas são heterogaméticas, isto é, possuem dois genes sexuais, o Z e o W. A pesquisadora complementa que no processo de meiose (quando são formados os gametas: óvulos e espermatozóides), há duas etapas distintas: a primeira divisão da meiose e a segunda divisão da meiose ? momento em que surgem um óvulo e três corpúsculos polares (óvulos que não se desenvolveram). Selma ressalta que quase sempre o óvulo formado tem o gene Z, sobrando dois corpúsculos W e um Z (conhecido como segundo corpúsculo).
O que acontece no processo de partenogênese em questão é que o corpúsculo Z une-se ao óvulo formando uma célula embrionária, que irá se desenvolver normalmente. É por isso que todos os filhotes são machos, pois nas cobras os machos são monogaméticos, ou seja, ZZ. Nos seres humanos, por sua vez, as mulheres são monogaméticas, dois genes XX, e os homens são heterogaméticos, tendo os genes X e Y.