São Paulo (AUN - USP) - Pesquisadores ligados ao Instituto Butantan desenvolverão os primeiros estudos sobre as glândulas responsáveis pela comunicação química em lagartos da família Gymnophtalmidae, pouco conhecida pela Ciência. A pesquisa terá início oficial este ano e pretende compreender os mecanismos de dispersão de feromônios nos animais estudados. Por meio do estudo, será possível entender as adaptações, em relação ao ambiente, das glândulas epidérmicas e da secreção que elas produzem, levando em conta a história evolutiva dos animais.
O projeto será desenvolvido pela doutoranda Glaucilene Ferreira Catroli, sob orientação de Carlos Jared e Marta Antoniazzi (Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan) e colaboração de Miguel Trefaut Rodrigues (Departamento de Zoologia da USP).
Dentro da família Gymnophtalmidae, foram selecionadas para a pesquisa as tribos Heterodactylini e Gymnophtalmidae. Segundo Glaucilene Catroli, essa escolha foi baseada na grande variedade de hábitos, formas e habitats que existe no grupo selecionado. “Com um grupo tão rico em variedades, os resultados obtidos serão bastante abrangentes”, diz.
A tribo Gymnophtalmini, por exemplo, possui representantes de hábitos noturnos (gênero Calyptommatus) e diurnos (como o gênero Nothobachia). Há também grande diversidade de habitats ocupados. Os lagartos da tribo Heterodactylini vivem em regiões mais frias. A tribo Gymnophtalmini, por sua vez, inclui animais que vivem em ambientes tão diferentes quanto a Floresta Amazônica, que abriga os gêneros basais (como Tretioscincus), e as proximidades do rio São Francisco, onde vivem os gêneros mais derivados.
Segundo Miguel Trefaut, “isso é interessante na pesquisa: a filogenia mostra que, embora as espécies mais derivadas estejam na região do rio São Francisco, os grupos basais estão na Amazônia.” De acordo com o pesquisador, o estudo deverá mostrar como se deu a evolução das moléculas envolvidas na veiculação de feromônios nos lagartos, com a mudança ambiental desses animais da Amazônia para um ambiente extremamente seco.
Além disso, os animais estudados pela pesquisa apresentam características serpentiformes associadas a hábitos fossórios. O próprio nome da família (Gymnophtalmidae) remete à fossorialidade. O termo significa “olho nu”, porque os lagartos desse grupo não possuem pálpebras, como as cobras. Segundo Trefaut, isso é uma adaptação à vida fossória. De acordo com ele, a presença de pálpebras seria um empecilho a esses animais, já que elas poderiam reter grãos de areia ou terra do substrato quando os olhos se fechassem.
A tribo Gymnophtalmini possui forte tendência evolutiva a aumento no número de vértebras e redução das patas. O gênero Calyptommatus, por exemplo, evidencia essa propensão: os lagartos apresentam corpo alongado, redução da cauda, desaparecimento do membro anterior e redução do membro posterior. Nos Heterodactylini, também existe o alongamento do corpo, mas a cauda permanece longa e os membros são menos reduzidos.
A pesquisa poderá evidenciar a hipótese evolutiva de que os lagartos da família Gymnophtalmidae adquiriram características serpentiformes à medida que se adaptaram a ambientes mais quentes e secos. Além disso, o estudo poderá mostrar a adaptação da comunicação química a esse contexto. Glaucilene Catroli acredita que os resultados da pesquisa possibilitarão obter uma abordagem integrada a diversas áreas científicas, como Biologia, Ecologia e Evolução.
Nothobachia ablephara: patas reduzidas e corpo alongado (Foto: Miguel Trefaut Rodrigues - Alagoado, BA)