São Paulo (AUN - USP) - Uma pesquisa que levou quatro anos para ser concluída constatou que o veneno da Lachesis muta muta, a Surucucu amazônica, possui uma fração imunossupressora, ou seja, ao invés de induzir a produção de anticorpos, refreia essa atividade. Esse fator praticamente impedia que cavalos produzissem soro contra o veneno. Com a conclusão da pesquisa, pode-se eliminar essa proteína e a produção do soro foi normalizada. Hoje, um só cavalo do Instituto pode produzir 30 mil ampolas de soro.
A tese de mestrado "Atividade do veneno da Lachesis muta muta sobre a resposta imune humoral a antígenos não relacionados", do estudante de farmacologia da Unicamp, Marco Antônio Stéfan, foi apresentada em setembro do ano passado e orientada pelo Prof. Osvaldo Augusto Sant`Anna, pesquisador do Laboratório de Imunogenética do Instituto Butantan. Há seis anos, o professor foi procurado pelo departamento de produção de soro do Instituto e informado de que os cavalos imunizados não estavam produzindo soro efetivo contra o veneno. "Com base nos estudos que eu já vinha desenvolvendo na área, desconfiei que poderia haver algum fator imunossupressor nesse antígeno", lembra o professor.
O primeiro passo da pesquisa foi injetar em camundongos uma substância que sabidamente estimula a produção de anticorpos, a hemácea de carneiro. Nesse experimento, o sistema imunológico da cobaia respondia muito bem. Num segundo momento, aplicou-se esse mesmo antígeno juntamente com o veneno da Surucucu, o que resultou numa diminuição da resposta à hemácea . A segunda etapa foi, então, fracionar esse veneno, ou seja, passá-lo por uma coluna de separação de suas diferentes proteínas, e repetir o último procedimento com cada uma dessas frações. Das sete frações obtidas, descobriu-se que duas inibiam a resposta do camundongo à hemácea.
À partir daí, a solução foi tomar o veneno total e fracioná-lo novamente, separando e retirando esses dois fatores imunossupressores para, então, imunizar o cavalo. Este teve resposta normal, produzindo, finalmente, o soro. Atualmente, cada mililitro desse soro pode neutralizar 7ml de veneno.
Com essa parte da pesquisa concluída, o próximo passo a ser tomado é descobrir se essa atuação imunossupressora também pode estar presente em venenos de outras serpentes, de aranhas ou escorpiões. Para isso, eles estão, experimentalmente, preparando um anticorpo contra a fração e confrontando-o com vários venenos diferentes, o que testará sua presença em cada veneno. Quando essa segunda conclusão for atingida, o trabalho completo estará pronto para ser publicado.
Segundo o professor, "futuramente, essa fração poderá, na medida em que diminui a atividade do sistema imunológico, servir à medicina da mesma forma que a ciclosporina, que inibe a rejeição de órgãos transplantados. Ou então, inibir a ação da auto-imunidade, que causa, por exemplo, a esclerose múltipla".